sexta-feira, 27 de maio de 2011

Ácidos graxos poliinsaturados na dieta de gestantes e lactantes

Pesquisas recentes indicam que os ácidos graxos poliinsaturados (PUFAs) n-3 e os ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa (LC-PUFAs) são nutrientes essenciais para o desenvolvimento neonatal. O ácido docosahexaenóico (DHA) encontra-se em grande quantidade na retina e em certas áreas do cérebro e acumula-se no final do período fetal e no início do período pós-natal. Associou-se a deficiência da ingestão de ácidos graxos poliinsaturados n-3 a baixos níveis de DHA no eritrócito e nos tecidos da retina e do cérebro, e também com irregularidades na função da retina, as quais podem ser irreversíveis.

Os tecidos de um recém-nascido são capazes de sintetizar a partir do ácido α-linolênico uma quantidade bastante limitada de DHA. Através do leite materno, lactentes em aleitamento materno recebem quantidades adequadas de DHA, possibilitando que eles supram assim suas necessidades. Entretanto, em muitos países, como o Brasil, por exemplo, é comum a baixa prevalência de aleitamento materno, dado que a mãe oferece à criança leite de vaca diluído em água. O leite de vaca modificado apresenta 2% de energia na forma de ácidos graxos n-6 e 1% na forma de ácidos graxos n-3, além de conter somente os ácidos graxos α-linolênico e linoléico, apresentando ausência total de DHA. A partir disso, estudos vêm buscando comprovar as vantagens da utilização da suplementação de ácidos graxos poliinsaturados (PUFA) n-3 e/ou n-6 em formulações infantis. Esse potencial melhoramento nos leites industrializados, em termos de composição de ácidos graxos os torna semelhantes ao leite humano, podendo assim desempenhar papel importante nos eventos de maturação do sistema visual.

Os lipídios dietéticos fornecem energia para as células, além de constituírem a maior reserva energética corporal para crianças e recém-nascidos. Eles são componentes estruturais de todos os tecidos e são essenciais para a síntese das membranas celulares. Sabe-se que os lipídios fornecidos na alimentação infantil constituem um fator determinante no crescimento, no desenvolvimento visual e neural, e na manutenção da saúde. Dessa maneira, a seleção do lipídio dietético durante a infância é de grande importância para o crescimento e o desenvolvimento.

Existem dois períodos durante o desenvolvimento nos quais os ácidos graxos n-3 são de extrema importância: o período fetal e o período que vai desde o nascimento até o término do desenvolvimento bioquímico completo do cérebro e da retina, o qual ocorre aos dois anos de idade em humanos. Por serem componentes estruturais das membranas dos fosfolipídeos dos tecidos do corpo, esses ácidos graxos estão presentes em níveis especialmente altos na retina e cérebro, nos quais o DHA compõe mais de 35% do total dos ácidos graxos. A fosfatidiletanolamina é um de um tipo de fosfolipídio que está presente nas membranas do cérebro e retina, na qual o DHA se encontra em maior quantidade.

Durante a gestação, são fundamentais os estoques maternos e a ingestão dietética materna de ácidos graxos n-3 para que sejam fornecidos adequadamente os ácidos graxos n-3. O DHA e todos esses outros ácidos graxos poliinsaturados, são transferidos em direção ao sangue fetal através da placenta. Além disso, os triglicerídeos armazenados no tecido adiposo materno, contendo DHA, podem ser movimentados, liberando ácidos graxos que são disponibilizados ao feto pelo transporte placentário. Foi sugerido recentemente que na placenta ocorre pouca conversão dos precursores essenciais, linoléico para o araquidônico e do linolênico para docosahexaenóico. A análise da atividade das enzimas dessaturases na placenta evidenciou que a atividade dessas enzimas apresentou-se significativamente menor quando comparada às observadas nos fígados materno e fetal. Dessa forma, durante o período intrauterino, a placenta remove os ácidos araquidônico (AA) e docohexaenóico (DHA) de maneira seletiva e substancial através da mãe, enriquecendo a circulação do feto com estes ácidos graxos. A intensa captação e acumulação de DHA pelo feto implicam em uma considerável redução das reservas de DHA para a mãe. Por isso, a gestante deve suplementar sua dieta com este ácido graxo, especialmente em casos de pequeno intervalo entre estados consecutivos de gravidez ou no caso de partos múltiplos.

O cérebro e retina em desenvolvimento apresentam baixa concentração dos ácidos linoléico (LA) e α-linolênico (LNA), normalmente menor que 2% dos ácidos graxos totais, enquanto os ácidos araquidônico e docohexaenóico, que são obtidos a partir dos primeiros), apresentam-se maior concentração. Por outro lado, em outros tecidos, o percentual de ácido linoléico pode ser maior que 20% do total dos ácidos graxos.

Estudos relacionados à função dos ácidos graxos n-3, particularmente DHA, em ratos e macacos, mostram que a restrição dietética desses compostos, durante a gestação e a lactação interfere na a função visual normal e pode também afetar o processo de aprendizagem dos lactentes. Foi evidenciada, em prematuros, uma relação significativa entre os testes de inteligência e os níveis de DHA nos eritrócitos.

A deficiência dietética de ácidos graxos n-3 durante a gestação tem como conseqüência uma diminuição de DHA no organismo, e é seguida por um aumento compensatório na concentração do ácido docosapentaenóico em vários tecidos, o qual pode servir como indicador dessa deficiência. Assim, a incorporação de DHA nas membranas do cérebro e da retina diminui. Essa deficiência dietética DHA também pode ser verificada pelos exames de eletroretinograma.

Em estudos realizados em macacos alimentados com dieta restrita em ácido graxo n-3, cuja dieta foi suplementada com óleo de peixe, notou-se uma normalização dos níveis de DHA nos eritrócitos e nos tecidos da retina e do cérebro. Porém, o eletroretinograma permaneceu alterado. A partir desses estudos, podemos ver que a composição da retina e do cérebro é influenciada pela concentração de DHA dietético, e que a deficiência deste ácido graxo é acompanhada por alterações funcionais que podem ser irreversíveis.

Com isso, percebemos a importância de se assegurar quantidades suficientes de ácidos graxos poliinsaturados n-3 para gestantes, lactantes, crianças e prematuros.

Durante o último trimestre da gestação, o feto necessita mais dos ácidos graxos araquidônico e DHA, pois é preciso atender à síntese acelerada dos tecidos cerebrais. Para a obtenção desses ácidos graxos, o feto depende da transferência placentária, ou seja, do suprimento destes ácidos graxos pela mãe. Diferentes estudos apontam a dificuldade no estabelecimento da quantidade adequada de ácidos graxos poliinsaturados n-3 a ser ingerida pela mãe durante a gestação, devido à grande capacidade corporal materna de estocar esses ácidos graxos, assim como à capacidade de síntese de AA e DHA a partir do ácido α-linolênico. De qualquer maneira, o correto seria que a mãe ingerisse regularmente DHA, como peixes (de 2 a 3 vezes por semana durante a gestação).

As famílias de ácidos graxos (n-3), (n-6), (n-7), (n-9) competem entre si pelas vias metabólicas de alongamento e dessaturação, pois possuem os mesmos sistemas enzimáticos. Por isso, há necessidade de equilíbrio entre os integrantes das séries dos ácidos graxos essenciais, o que implica em uma relação entre ômega n-6 e ômega 3.

A lactação tem sido considerada uma etapa no período reprodutivo de grande demanda metabólica tecidual materna, aumentando as demandas de proteína e energia para a devida produção do leite, o que também é difícil nesse caso, pois, assim como na gestação, a mãe tem a capacidade de prover essas demandas pelos seus estoques e por síntese endógena. Pesquisas mostraram que a mulher lactante pode perder cerca de 70 a 80mg de DHA por dia no aleitamento, relacionado a perdas pelos processos oxidativos ou para adequação dos requerimentos maternos. Para alcançar balanço positivo de DHA na lactação, todos estes fatores devem ser considerados, juntamente com a amenorréia lactacional, fator poupador de DHA neste período.

Assim como para gestantes, é recomendado para lactantes o consumo de peixes para assegurar quantidade adequada de DHA . Se o consumo de alimentos marinhos não for possível, o óleo de soja e de canola são boas fontes do ácido α-linolênico, cujo uso deve ser estimulado. Para o lactente, o leite humano, que contém os ácidos eicosapentanóico, docosahexaenoóico e α-linolênico, ainda é considerado o alimento ideal para satisfazer suas necessidades de ácidos graxos poliinsaturados n-3 durante o período pós-natal.

Os níveis dos ácidos linoléico, gama-linolênico e DHA no leite estão diretamente relacionados com a quantidade destes ácidos graxos na dieta materna. A concentração desses ácidos graxos n-3 no leite é maior de acordo com sua quantidade na dieta materna.

Hoje em dia, há muitas controvérsias em relação à suplementação de ácidos graxos poliinsaturados na dieta dos recém-nascidos. Foi observado por alguns pesquisadores que não há variação nas funções neurais e visuais de crianças alimentadas com leite materno, enquanto que, as crianças alimentadas com fórmulas lácteas cuja fonte desses ácidos graxos é o óleo de milho, houve uma diminuição da função visual, mesmo quando suplementadas com AA e/ou DHA. Essa diminuição da função visual se deve à ingestão do ácido gama linolênico abaixo da recomendação preconizada. A substituição do óleo de milho pelo óleo de soja aperfeiçoou o perfil dos ácidos graxos n-3 nas fórmulas comerciais.

No entanto, outros estudos mostram que a suplementação de DHA em formulação infantil promove aumento na concentração de DHA no plasma e nos eritrócitos, além de melhorar a função visual e o desenvolvimento neuronal, o que levou à hipótese de que a suplementação de DHA, nas fórmulas lácteas poderia ser benéfica, particularmente para os prematuros. Estudos com prematuros recebendo suplementação com óleo de peixe mostram o efeito benéfico, porém provisório, na função visual, mas seguido de um efeito antagônico no crescimento e em alguns indicadores de desenvolvimento neuronal. Assim, supõe-se que a suplementação com óleo de peixe iniba a conversão do ácido linoléico para ou que o ácido eicosapentaenóico, presente em grande quantidade, possa competir com o ácido araquidônico na anexação dos fosfolipídeos das membranas teciduais e/ou na conversão para os eicosanóides. Por isso, é recomendado que as fórmulas sejam suplementadas tanto com DHA quanto com AA.

Pelas grandes controvérsias desses estudos, ainda há necessidade de outras pesquisas relacionadas aos requerimentos destes ácidos graxos poliinsaturados, para que a prática da suplementação possa ser devidamente recomendada. Muitas dessas controvérsias podem ser explicadas pelas diferenças entre as populações estudadas ou entre as metodologias aplicadas como a composição das formulações e nos tipos e nos tempos de suplementação de cada ácido . Enquanto esses dados em relação aos possíveis benefícios da suplementação de ácidos graxos poliinsaturados nos leites industrializados não estiverem disponíveis, é antecipada a recomendação desse leite atualmente disponibilizado no mercado para lactentes saudáveis que somente não utilizam o leite materno como fonte alimentar.

http://www.nutricaoedesenvolvimento.com.br/images/Mario%20et%20al%20CN166%20vers%C3%A3o%20final.pdf